domingo, 22 de dezembro de 2013

A conversa com os meninos de 12 anos

Desceu com tristeza e tédio e foi procurar um lugar tranquilo para acender seu cachimbo, longe de todos. Estava lá, tranquila quando viu os três meninos na trilha que chegava até ela e acompanhou com o olhar os três. Eles vinham desconfiados e olhando para todos os lados e ela sentiu o cheiro de perigo, mas não tinha medo de crianças, ainda mais de 12 anos. Eles passaram encarando ela e olhando pra trás, ela os encarou e olhou junto com eles pra trás e inexplicavelmente os 3 garotos e ela sorriram ao mesmo tempo. Eles passaram, conferindo se tinha alguém na outra ponta também e voltaram até aonde ela estava sentada. De longe, um deles perguntou:
- Ei, você viu dois meninos passarem por aqui?
- Dois meninos? Não, desde que cheguei aqui não passou ninguém.
- É legal aqui, só é perigo alguém te assaltar, não é?
Disse o que parecia mais velho, o pretinho. Agora todos estavam na frente dela, com certa distância e desconfiança:
- Não, mas hoje estou com Deus, nada acontecerá comigo.
Eles se aproximaram e sem explicação aparente sentaram perto dela.
- Vocês moram aonde?
- Na rua do fim.
- Rua do fim? Que nome estranho pra uma rua.
- É porque lá não tem saída.
Disse o mais bonito, que parecia o do meio.
- Vocês são irmãos?
- Não, só amigos.
- E a idade de vocês?
Todos responderam 12.
- Vocês estão mentindo ou é verdade e os 3 tem 12?
Eles riram e confirmaram os 12 anos.
- Tu quer uma manga?
Perguntou o mais novo.
- Essa manga é da boa, daquelas que você bate na parede, não é? Aonde vocês pegaram?
- Ali atrás, tem uma mangueira.
Ela riu.
- Eu quero. Vocês estavam roubando manga?
De repente o que parecia mais novo ficou muito incomodado. O do meio levantou-se pegou três pedaços de azulejo. O pretinho mandou:
- Isso não serve pra nada.
- Mas corta!
- Vocês namoram?
Eles riram.
- Não, vocês são muito novos pra namorar.
- Ora, se a gente já pega é as meninas. Tu mora aqui perto?- disse o mais novo.
- E porque você está aqui?
- Sim, do outro lado. Minha mãe estava doente, estou aqui porque não quero fumar na frente dela.
- O que ela tem?
- Ela teve um avc, sabe o que é isso?
O do meio imediatamente disse que sim.
- É, coisas ruins acontecem o tempo todo.
- Vocês moram com os pais?
- Minha mãe me botou pra fora de casa- disse o pretinho.
- Mas quem é tua mãe mesmo, é a Rosa ou a Maria?- quis saber o bonito.
- Quem me teve foi a Maria, mas quem me cria é a Rosa.
- Todo dia matam um na nossa rua.
- Como assim?
E o mais novo começou a contar a história.
- O cara tava dirigindo o carro e a menina veio na frente, ele não conseguiu frear e bateu nela. Ele pediu desculpas. Depois ele voltou lá porque tinha esquecido a bicicleta, ele veio com um facão porque achava que iam fazer alguma coisa com ele. E aí um dos caras da família da menina pegou um revólver e matou ele.
- Nossa, mas aconteceu alguma coisa com a menina?
- Não.
- Mas então a reação dele foi exagerada. Vocês são muito novos pra passarem por isso, vocês já viram crimes! É um mundo aonde acontecem muitas coisas ruins. A gente é que precisa se manter forte pra não ficar ruim também.
Nessa hora o que parecia mais novo levantou-se.
- Que horas são?
- Não sei.
- Olhaí no teu celular.
Ela tirou o celular da bolsa e falou as horas. Ficou olhando pro mais velho. O mais velho também era belo, com sua cor morena. O bonito disse.
- Você gostou dele, não foi?
- Sim.
- O que você fez pra sua mãe te por pra fora?
- Ele faz umas coisas! Ele fuma cigarro, fuma até maconha.
Ela então ofereceu seu cachimbo pro pretinho. Que aceitou e fumou.
- Fumar não faz bem não.
Ela disse e eles se olharam bem dentro dos olhos. O mais novo disse:
- Vamos embora!
- Peraí um pouco- disse o pretinho.
- É vamos ficar mais um pouco- disse o bonito.
Mas o mais novo não queria mais ficar.
- Eu já vou, eu já vou, vamos?
- Tu tem tatuagem?- perguntou o bonito.
- Sim, um own, significa o primeiro som do universo, porque eu gosto de música.
- Que música tu gosta?
- Hoje eu gosto de blues. É uma música densa, com muita guitarra, foi feita pelos negros americanos, vem da escravidão. Vou por uma pra você ouvir. Essa é a Nina Simone, ela era uma negona que fez uma revolução, sem armas, com música.
- Eu vou embora, vocês não vem?
- Eu gosto de rap americano. Quer outra manga?- perguntou o bonito.
- Sim.
- Eu vou embora, vamos?
- Vou ficar mais um pouco, eu acompanho vocês.
Então o mais novo e o bonito foram. O pretinho não foi.  Ficaram se olhando em silêncio um tempo.
- Como foi a vida da Rosa, você sabe?
- Não.
- Eu te digo isso porque isso ajuda a gente a entender as pessoas. O que fizeram delas pra elas serem como são.
- Tu tem quantos anos?
- 32. Então nossa diferença é de...
- 20 anos. Tu tem filhos?
- Não.
- Por quê?
- Porque eu só quero ter um filho quando eu puder dar tudo pra ele.  Tem muita gente no mundo, muita criança em orfanato. Eu só vou ter um filho quando encontrar um cara que queria ser pai, e talvez eu adote.
- É, tem gente que pensa antes de fazer as coisas.Você tem marido?
- Tive. Vamos embora?
- Tu já quer ir?
- Você não quer?
- Vamos conversar mais um pouco.
- Tu gosta de estudar?
Ele fez um sim com a cabeça.
- Mentira, gosta nada.
- Meu colégio só tem vagabundo.
- Mas você gosta de alguma coisa?
- Só de matemática.
- É uma saída.
- Tu estudou até que ano?
- Eu me formei. Tu já viu algum crime?
- Mataram meu amigo, eu tava sentado do lado dele. Depois o cara tentou me matar, mas a arma falhou. Eu corri e me escondi. Ele tomou um tiro no peito.
- Tu viu ele morrer?
- Sim.
- E como é ver uma pessoa morrer?
Ele ficou olhando com uns olhos expressivos.
- Normal.
- Então você teve uma arma apontada pra sua cabeça?
- Duas vezes.
- Acontece muita coisa ruim na vida, mas acontece muita coisa boa também. Minha mãe se curou. Acontece. Vocês tinham vindo aqui pra me assaltar, não era?
- Ham?
- Vocês iam me assaltar?
- Não, eu quero ficar longe disso, eu que fui assaltado esses dias, levaram meu celular.
- Nunca conseguiram me assaltar. A polícia chegou uma vez e na outra eu não tinha nada. É muito ruim, a gente sente raiva.
- Eu não sinto raiva não.
- Eu vi meu avô morrer, mas foi de doença. Não adianta você pode nascer na melhor ou na pior família, coisas ruins vão acontecer. Esse é o mundo de expiação e culpa. Deixa, to falando besteira.
- Não, fala...
- Estamos aqui pra pagar carmas e evoluir pra um plano melhor.
Ele fez uma cara de que isso fazia todo o sentido.
- Reze pelo seu amigo, ele morreu cedo, significa que ele já evoluiu. Quer dizer, não sei se isso se aplica quando te matam.
Ele riu.
- Deram vários tiros de 12 em outro colega meu. Ele não morreu, mas ficou com uns buracos assim no peito. Só porque era uma 12.
- Doze é um tipo de arma?
- É. Agora aquela família do rapaz que mataram está perseguindo ele.
- Mas aí vira uma guerra.  Sabe o que te falei sobre a matemática? Eu já morei numa rua assim perigosa como a sua, tinha tiroteio e nos escondíamos debaixo das coisas. Mas eu saí de lá. A matemática pode te tirar de lá. Você precisa estudar pra tirar sua família de lá.
Chegaram numa encruzilhada.
- Você vai pra onde?
- Você vai por aqui?
- Sim.
- Então vou com você até lá em cima.
- Como é teu nome?
- Vítor.
E subiram em silêncio até ela chegar em casa. Ela ficou com vontade de dar um abraço e um beijo nele. Mas disse apenas " thau Vitor, foi um prazer te conhecer". E entrou com duas mangas nas mãos.






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Adeus, viúva morta

Viúva morta, segue de preto cabelo escovado passa água de colônia passa batom vermelho ou violeta viúva morta, eu não te amo viúva m...